Friday, October 20, 2006

Ventava, estava muito frio, e ela toda molhada. Chovia na cobertura do Hotel Ponta Verde, mas não era só chuva que corria no rosto da garota. Ela chorava, tentava não borrar a maquiagem pesada e negra sobre os olhos que a chuva lavava. Chuva e lágrimas. Noite de domingo, só fazia a sentir ainda pior. Sua franja quase que cobria seus olhos por completo, e suas roupas pseudo-coloridas estavam encharcadas. E não era pela chuva. Estava na sacada, sentada e pronta pra se jogar. Faltava-lhe coragem. E também faltava estar só.

- Qual o problema criança? - No terno, um jovem na casa dos 19, encharcado se aproximava da garota - Está esperando alguém que não virá mais?
- Quem é você?! - Surpresa, a garota não o conhecia - Como você chegou aqui?
- Não sou ninguém importante, muito menos como cheguei aqui. A única coisa importante é que eu posso ouvir o que você tem a dizer. - Ela cala, não move um músculo - Vamos, tente. Me diga o que te encomoda.
- Tudo! A vida não presta! Não tem porque continuar com tudo isso!
- Como assim? Este luar não presta? E essa chuva maravilhosa? E essa vista? Não são todos que podem desfrutar de um prazer desses, criança.
- De que adianta ver coisas bonitas se ninguém te ama? Se você está podre por dentro?
- Por que ninguém te amaria? Qual foi seu pecado pra que sua pena fosse não ser amada?
- Porque eu sou uma inútil! Meu pai me odeia, sempre reclamando das minhas notas, das minhas roupas, das minhas amigas e da música que ouço. Minha mãe mal fala comigo, e toda vez que aparece, é pra brigar feio com meu pai. Eles não entendem!
- Me pergunto se você chegou a dar a chance de te entenderem...
- Não adianta, quando não estou no meu quarto ouvindo música, tento falar com eles, e sempre estão ocupados com trabalho e coisas do tipo.
- Você me daria a chance de te entender?
- Você não é ninguém, esse terno não te dá autoridade entender nada.
- Não, não dá. Mas tenho certeza que não me proíbe de tentar. Por favor, tente.
- A verdade é que eu sou só. Ninguém nunca me entendeu, sempre fui excluída pelo meu jeito de vestir e agir, pelas músicas que ouço...
- Abra seu coração.
- Os professores me pressionam por causa das notas, ainda tem as pessoas que cassoam de mim na rua... As vezes dá vontade de criar asas e voar. Ir pra longe disso tudo, sabe?
- Perfeitamente. Voar te dá uma sensação de liberdade e leveza, maior que qualquer droga pode te dar. Além disso, te faz sentir invencível...
- Seria ótimo voar...
- Feche os olhos criança.
- Como assim?
- Feche os olhos e abra os braços.

De braços abertos e olhos fechados na sacada. Sentiu braços segurando-a. Começou a cair, ele havia se jogado junto com ela, o chão se aproximava com velocidade, ela fechou os olhos novamente e esperou o fim... Que não veio.

Abriu os olhos novamente, e estava ascendendo. Olhou para trás e viu asas. Aquele jovem de terno era seu anjo da guarda, e a levava ao paraíso. Ela finalmente estava voando. Viu a cidade que tanto odiou ficando distante. Estava cansada e seus olhos pesavam.
- Obrigado... obrigado...
- Sehriel, pode me chamar de Sehriel, criança...



Dez da manhã de segunda, a garota acorda em sua cama. Se levanta, vai ao banheiro. Olha para seu reflexo e sorri como nunca sorriu antes. Cortou a franja, vestiu roupas brancas e azuis. Está prestes a sair de casa, quando uma pena branca cai em sua mão. Um sorriso brota em seu semblante enquanto ela fecha a porta e sai.

Thursday, October 12, 2006

Quinze Pras Seis

Quinze pras seis da noite, o sol está a se pôr. Ele fita o mar engolindo o astro rei lentamente e, de pé, segura a prancha de surfe do seu lado. Tão concentrado, que quase deixou de perceber a garota que senta ao seu lado. Cabelos castanhos e claros, de biquini amarelo, e tem um daqueles pedaços de pano que chamam de canga enrolado na cintura, de estampa abstrata, digna de Picasso. Não desviou o olhar do mar por um segundo, ela fez o mesmo, mas falou.

- Belo anoitecer não?
- Concordo. E essas ondas estão perfeitas pra surfar.
Ele não desvia o olhar.
- E por que você não vai? Ela indaga.
- Eu não sei surfar.
- Como assim?! E essa prancha aí?
- É do meu primo, ele tá se pegando com uma garota em algum lugar por aí.
- E você fica com a prancha dele posando de surfista sempre?
- Não, é só pra ver se atraio alguma garota pra conversar, apesar do meu físico não atrair nem mosca, não custa nada tentar. E pelo visto, dessa vez funcionou.
- Não mesmo. Quem disse que eu vim aqui pelo seu físico ou por essa prancha?
- Então, foi pelo quê?
- Pelo seu sorriso, ora bolas. Por essa sua carinha de quero colo e essa bunda gostosinha de pegar.
E um sorriso malicioso brota em seu rosto.
- Hahahaha - ele senta - Você é louca, certo?
- E se for?
Ela o encara. Ele encara de volta, se aproxima e diz.
- Se for... Eu poderia te beijar agora.

O sol se põe, as estrelas começam a aparecer, a lua a brilhar mais forte, e as ondas a castigar a areia com força. Mas eles não viram. É que dizem que beijar de olhos abertos é estranho... E eles são loucos, não estranhos.